sábado, 30 de outubro de 2010

A Agroenergia Serve à Vida ou ao Capital?

Já abordamos a energia como um dos maiores enigmas do universo, especialmente a Energia de Fundo que sustenta o cosmos e cada ser. Agora concentramo-nos na agroenergia, a mais saudada nos dias atuais por causa da crescente exaustão da matriz energética fóssil. Ela é vista como uma espécie de Arca de Noé salvadora do atual sistema.

Naturalmente, a energia, pouco importa o seu tipo, é imprescindível para tudo, particularmente é o motor da economia de mercado e para todas as civilizações. Quem quiser ter um apanhado bem fundado do tema numa perspectiva global, passando pelos países produtores e analisando os principais agrocombustíveis e, em geral, a bioenergia, deve ler o livro de François Houtart, A agroenergia: solução para o clima ou saída da crise para o capital? (Vozes 2010). O autor, sociólogo belga,muito conhecido no terceiro mundo, é um dos fundadores e animadores do Fórum Social Mundial.

A utilização de energias renováveis obedece a dois imperativos: o primeiro, a curta longevidade do petróleo, cerca de 40 anos; do gás 60; e do carvão 200. O segundo: a salvaguarda do meio ambiente e o controle do aquecimento global que, descuidado, pode pôr em risco toda a civilização.

Mesmo assim, um substituto à energia fóssil não é ainda, a médio prazo, alcançável. A agroenergia representará em 2012 apenas 2% do consumo global e poderá 7% em 2030, supondo a utilização das terras agricultáveis da Austrália, da Nova Zelândia, do Japão e da Coreia do Sul. Se forem utilizadas todas as superfícies produtivas da Terra, alcançariam o equivalente ao petróleo, que é 1,4 bilhão de barris/dia. Ora, as demandas atuais se elevam a 3,5 bilhões, tendendo a subir. Aqui emerge um impasse sistêmico. Tal fato obrigaria a pensar num outro modo de produção e de consumo, menos energívoro.

Se houvesse sentido de futuro coletivo, compaixão para com a humanidade sofredora e se predominasse o cuidado para com a Mãe Terra, refletiríamos seriamente como encontrar um modo de habitar o planeta com mais sinergia com os ritmos da natureza, com responsabilidade coletiva pela inclusão de todos e com benevolência para com a comunidade de vida. Agora seria a grande ocasião. Mas nos falta sabedoria e ainda acreditamos nas possibilidades ilusórias do desastroso sistema capitalista que nos levou ao impasse atual.

O drama que envolve as energias alternativas reside no fato de que elas foram sequestradas pela lógica do capital. Este visa lucro crescente e nunca toma em consideração as “externalidades” que não entram no cálculo econômico (como a degradação da natureza, a poluição do ar, o aquecimento global, o crescimento da pobreza). Elas somente são tomadas a sério quando se tornam tão negativas a ponto de prejudicarem as taxas de lucro do capital. Por isso, não nos enganemos com as empresas que alardeiam o caráter “verde” de sua produção. O “verde” vale desde que não afete os lucros nem diminua a capacidade de concorrência.

Importa dizer com todas as palavras: a busca de energias alternativas limpas não intenciona forjar formas de salvar o gênero humano e suas capacidades vitais, mas visa a preservar a sorte do sistema do capital com sua lógica do ganha-perde.

Ora, esse sistema, com flexibilidade e adaptação espantosas, é capaz de produzir ilimitados bens e serviços, mas sempre à custa da dominação da natureza e da criação de perversas desigualdades sociais. Hoje ele está encostado nos limites da Terra, cujos recursos estão se extenuando. Está realizando a profecia de Marx segundo a qual ele iria destruir as duas fontes de sua riqueza: a natureza e o trabalho. Ora, estamos assistindo exatamente o cumprimento desta sinistra profecia.

A agroenergia não pode estar a serviço da reanimação de um moribundo, mas deve reforçar a vida que demanda outro tipo de produção e de relação não destrutiva para com a natureza. O tempo para isso é urgente para não chegarmos atrasados.


(Leonardo Boff)
Fonte: Jornal Correio Riograndense - Outubro/2010


Postado por: Virginia Cini